terça-feira, 8 de setembro de 2009

Liberdade - O Conto

[Esse conto começou inspirado em um poema também chamado "Liberdade" que escrevi há meses atrás. Espero que gostem!]
Liberdade
Texto de Maria Carolina Andrade
(dedicado a um amigo Gigante que alimenta a liberdade das idéias presas)

Uma menina sentada no banco de uma praça, uma praça repleta de ipês floridos, com cachorros e seus donos passeando, crianças correndo e um sorveteiro que passava de lá para cá apertando sua buzina e anunciando seus deliciosos sorvetes.
Ela parecia pensativa, um tanto quanto perdida, um tanto quanto certa. Sabia exatamente o motivo que a levava a estar ali sentada sozinha naquele banco, mas não fazia a mínima idéia do que a fazia permanecer lá.
Sabia exatamente porque existiam flores, mas não fazia a mínima idéia porque os pássaros se alimentavam do pólen delas. Sabia exatamente porque pássaros voavam, mas se perguntava constantemente o que os fazia pousar. Sabia exatamente porque formigas eram tão pequenas, mas sempre questionava por que elas eram tão organizadas e gentis umas com as outras.
Naquela praça o mundo parecia confuso, mas sua mente estava completamente clara. Como a clara do ovo, apesar de não saber porque a clara era chamada de clara sendo que é branca, não simplesmente clara. É óbvio que o branco é uma cor clara, mas clara a lembrava de amarelo bebê, aquela cor sim parecia clara. Então clara de verdade era a gema, que é amarela. Mas a gema não é amarelo claro é um amarelo vibrante, um amarelo pintinho. É óbvio que é um amarelo pintinho, pois a gema deveria ser um pintinho. E como as pessoas poderiam cometer tamanha crueldade que é comer o que deveria ser um pintinho? Ou é apenas um óvulo? Bem, se é apenas um óvulo num é crueldade, mas é nojento, muito nojento comer óvulo.
A menina decidiu então que não comeria ovos nunca mais e essa idéia estava bem fixa e clara em sua mente. Clara como Clara, sua vizinha, que era negra, mas isso não vinha ao caso naquele momento.
Dentre seus pensamentos a menina observou um garotinho correndo rápido, muito rápido, e seu pai vindo atrás com um grande sorriso no rosto e braços abertos. Para as pequenas pernas do garotinho aquela velocidade era um grande desafio, já para o pai era confortável, pegaria o garoto no momento em que decidisse, mas adiava esse momento para a diversão de seu filho. O garotinho tinha cabelos ruivos e encaracolados e na velocidade em que corria seus cabelos bailavam livremente com o vento. Quer dizer, seus cabelos ruivos não eram completamente livres pois estavam presos a sua raiz e isso não os permitia que dançassem como quisessem pois estavam sempre presos a mesma raiz de cabelo. Os cabelos eram presos como todos aqueles que dançam, os corpos se movimentam com leveza com os mais diversos movimentos que um corpo é capaz de fazer, tudo em busca de prazer, de liberdade, mas essa liberdade acaba quando esses corpos dançantes percebem-se presos ao chão, sempre presos aquele mesmo chão.
Quando o garotinho se viu preso no colo do pai, toda a liberdade de seus cabelos ruivos esvaiu-se,
uma expressão de incômodo tomou o rostinho do garoto. Ele já tinha se acostumado com a liberdade, gostava daquele tipo de liberdade. Até se dar conta de que um novo tipo de liberdade havia começado, no colo do pai ele balançava os pés no ar, com os mais variados movimentos que um pé pode fazer e então a alegria tomou novamente seus olhos.
Ele agarrou-se forte aos ombros do pai e continuo balançando suavemente os pézinhos. Os dois se dirigiram ao sorveteiro, o pai escolheu os picolés e pôs o garotinho no chão entregando-lhe um picolé de chocolate. Mais uma vez aquela impressão de incômodo tomou conta do garoto, mais uma vez ele havia perdido aquela liberdade com a qual tinha se acostumado: balançar os pés no ar. Começou a lamber o picolé, ainda meio desolado, até que o calor escaldante daquele dia derreteu uma gota que caiu na sua mão. Ele limpou a mão na sua blusa novinha, ao ver que a blusa tinha se sujado quis experimentar a sensação de liberdade mais uma vez. Passou a mão no sorvete e logo em seguida em seu rosto, sentiu o gelado do picolé, a sensação era boa, era diferente, era livre. Então ele passou o picolé ao redor da boca, depois no nariz e na testa. Sabia que o que estava fazendo era errado e talvez por isso se sentisse tão livre. De tanta alegria o garoto soltou uma risada gostosa de quem está aprontando, ele finalmente tinha achado a maior liberdade que já havia sentido, gargalhava e não parava.
Só então seu pai dirigiu o olhar a ele e percebeu o que estava fazendo, começou a gritar e a dizer que ele havia estragado a roupa nova, fez ameaças dizendo que nunca mais iria levá-lo ao parque, que havia gastado dinheiro com o sorvete para nada.
O pai não fazia idéia da alegria que havia dado ao seu filho por alguns minutos brincando com aquele picolé, e assim como deu essa alegria, tirou. Tirou toda a liberdade que o menino custou tanto a conquistar, agora o garotinho era arrastado pelos braços por seu pai a força. Ele gritava e chorava, mas de nada adiantava. Talvez aquele garotinho nunca mais sinta a sensação do gelado do picolé por todo seu rosto, talvez nunca mais dê aquela gargalhada com tanta vontade. Mas uma coisa é certa as lágrimas que percorrem seu rostinho ainda serão livres muitas e muitas vezes por sua vida. Lágrimas que extravasam a dor e a frustração de um coração ao perder sua liberdade, quantas milhares de vezes a liberdade ainda será arrancada daquele menino? Quantas milhares de lágrimas cairão do seu rosto sem nunca tocar o chão?
Talvez esse seja o único sonho das lágrimas: tocar o chão. Pouquíssimas são as felizardas, elas sempre acabam secando antes de chegar lá ou perdem-se por roupas e cabelos. Elas vivem o tempo inteiro presas nos olhos, vêem de tudo e de tão curiosas querem saltar para o mundo, mas só conseguem quando o coração já está cansado e não agüenta mais, seja por dor, por tristeza ou por simples emoção. E então elas se jogam naquele mundo desconhecido, sem pára-quedas, sem medo algum, rezando pelo sonho de conseguir chegar ao chão.
O sorveteiro passou pela frente da menina, com seu carrinho cheio de badulaques coloridos e uma espécie de buzina que não parava de tocar, o sorveteiro tinha a pele morena e era muito sorridente, tinha um brilho nos olhos e parecia amar o que fazia, parecia vender os melhores sorvetes do mundo. Quando chegou perto se dirigiu a menina e disse: "Ei, moça. Vai um picolé hoje?", ela respondeu que não e agradeceu com um sorriso no rosto. Enquanto o sorveteiro ia se afastando ela sentiu um arrependimento enorme por ter negado o sorvete. Ela queria sentir a mesmo sensação que o garotinho sentiu, ela queria se sentir livre pelo menos por alguns segundos. Enquanto ficava na indecisão de comprar ou não o picolé, o sorveteiro ia se afastando mais e mais. Quando olhou em busca do sorveteiro percebeu que já era tarde demais, ele já estava muito longe para alcançar. A menina sentiu um arrependimento imenso por não ter comprado um picolé para si e depois um arrependimento maior ainda por não ter corrido atrás do sorveteiro, pelo menos ela teria tentado, mas nem isso ela fez.
Depois do arrependimento veio a culpa, a culpa era só dela e se ela não era livre naquele momento era por pura incapacidade dela mesma. Depois da culpa veio a melancolia de saber que aquele sorveteiro não ia passar tão rápido pela sua frente de novo, se sentiu só, incapaz e presa. Presa a uma armadura que nem ela mesmo sabia que existia. Por que será que ela não tinha se dado aquela liberdade? E por que ela se sentia tão triste, tão culpada? Era só um picolé, não era? Por que aquilo tinha mexido tanto com ela? Outros sorveteiros virão, outros picolés virão. Não virão? Mas não, nada podia substituir aquele picolé, aquele sentimento tão diferente que havia tomado conta daquele garotinho.
Ela resolveu passear pela praça, para tentar dissipar esses sentimentos e pensamentos tão confusos, tão sem nexo. Ela foi caminhando e cada passo seu parecia eterno, eterno e vazio. Como um passo pode ser vazio? Passos são passos. Mas não, os dela não. Seus passos não faziam sentido algum, faltava algum sentido, alguma direção, algum motivo. Ela estava distraída e pisou num pedaço de chão repleto de lama, havia chovido na noite anterior, apesar do sol escaldante que fazia naquela tarde. O seu pé se afundou na lama, primeiro a parte da frente, depois o calcanhar que ficou preso lá. Não completamente preso, se a menina fizesse uma pequena força para tirá-lo de lá ele sairia.
Como podia chover na noite anterior e no dia seguinte fazer esse sol tão forte? Pensou na chuva, sentiu saudade da chuva, mas logo depois se deu conta de que sempre que havia sol sentia falta da chuva e sempre que chovia sentia falta do sol. Nunca estava satisfeita, mas quem está?
Sempre ouvia nas conversas de elevador: "Nossa que calor insuportável, não?" ou "Nossa, que frio insuportável, né?" ou "Nossa, quando vai para de chover, hein?" ou então "Nossa, o ar tá tão seco, né? Bem que podia chover um pouquinho!" Ninguém nunca está satisfeito nem com o tempo, nem com a política, nem com os filhos, nem maridos, nem mulheres, nem amigos. Nunca nada é suficiente! Por que as pessoas eram tão inconstantes, tão insatisfeitas? A insatisfação constante leva a infelicidade, a amargura, ao pessimismo inacabável. Vai ver é isso que todo mundo procura: a infelicidade. Parece estranho, né? Mas a felicidade completa é muito difícil ou quase impossível de alcançar, então o mais fácil é conseguir a infelicidade mesmo.
Ser infeliz é melhor do que não ser nada. Sentir tristeza é melhor do que não sentir nada, não é? A maioria das pessoas se perde no meio de tantos sentimentos que acaba negando a todos eles. Não sentindo nada absolutamente durante toda a sua vida. Passa todos os dia da semana seguindo a mesma rotina desprezível, sem gosto por nada, sem motivo algum. Vive por viver e para não sentir dor nega a todos os sentimentos existentes, e assim nega a sua própria vida, a sua própria existência. Portanto, quem sente dor, tristeza está muito mais próximo da felicidade. Felicidade deve ser um sentimento instantâneo, rápido, vem e vai como um cometa, se faz e desfaz rápido como miojo.
Talvez ela só apareça para quem é sempre infeliz, os opostos sempre são tão próximos. Por que a felicidade e a tristeza não podem andar juntas? É isso, o grande objetivo de todo mundo é ser infeliz só para poder ser feliz de vez enquando, por pequenos momentos com picolés espalhados pela cara. Droga!
O picolé, ela lembrou do picolé, e aí toda a frustração de não ter conseguido aquele picolé voltou a tona. Droga! Ela passou alguns minutos presa, perdida pensando em infelicidade e felicidade e continua presa na lama. O que as pessoas devem estar pensando?
Quando se deu conta da situação que estava, percebeu uma mãe que balançava sua filha do balanço do parquinho ao qual havia parado em frente estava olhando fixamente para ela. A menina se sentiu profundamente envergonhada e tirou o pé com rapidez da lama, saiu andando com pressa toda desengonçada. Logo depois olhou para trás e percebeu que a mãe havia soltado uma gargalhada discreta vendo a menina toda atrapalhada. A menina sentiu seu rosto enrubrecer de vergonha, mas ao mesmo tempo se sentiu bem. Sua trapalhada havia feito alguém sorrir. Talvez aquele tenha sido o único momento "miojo" daquela mãe, ou não, talvez aquele tenha sido um dia cheio de momentos "miojo". Afinal, era um belo Domingo de sol e ela tinha alguém com ela e estava óbvio nos seus olhos que era o alguém mais importante do mundo. Uma garotinha com olhos de jabuticaba da mãe, roupa cor-de-rosa e fitilhos na cabeça.
A menina se lembrou então de quando era tão pequena quanto aquela garotinha, com o mesmo sorriso nos lábios, com a mesma inocência, mas não com os mesmos olhos de jabuticaba. A menina tinha olhos de amêndoas, olhos de amêndoas não refletem como olhos de jabuticabas, olhos de amêndoas não deixam extravasar todos os sentimentos, se escondem na divisão entre o claro e o escuro, entre o lago e as jabuticabas.
Se afunda em águas profundas e submerge as camadas mais escuras das águas mais profundas das camadas mais escuras de águas mais profundas, que nem são tão profundas assim e muitas vezes nem tão escuras.
Crianças nunca tem olhos de amêndoas, mas ela tinha e sabia exatamente o motivo, talvez não tão exatamente assim. Ela tinha um grande, enorme e magnífico segredo a esconder e o mantinha guardado a 7 chaves, 7 não porque é muito óbvio, o mantinha guardado a 248 chaves, porque 2+4+8=14 e 14=2x7 e isso sim fazia sentido.
Esse segredo era tão tão secreto que nem ela mesmo sabia ao certo do que se tratava e era até melhor não saber, porque não sabendo não conseguiria contar para ninguém, assim seu segredo permanecia guardado as 248 chaves e completamente intacto.
Ela sabia que nunca ninguém conseguiria conhecê-la por inteiro, todos eram incapazes de tal conquista.Nunca entendeu o motivo de sua existência nem o da falta dela. Nunca entendeu porque tinha uma necessidade tão grande de entender e uma impossibilidade maior ainda de conseguir. Nunca entendeu o motivo de nunca pensar em desistir, nem sequer pensar em desistir.
Era persistente e determinada sem nenhum objetivo, apenas por ser. Ela era assim, tinha nascido assim com olhos de amêndoas e camadas ocultas de sua própria personalidade.
A menina saiu com os passos pensativos e desequilibrados andando pela praça, estava cansada, aquele tinha sido um dia difícil. Não que ela tivesse feito muita coisa, mas estava cansada daquele dia, daquele e de muitos outros. Cansada de sempre pensar demais em tudo e nunca ser compreendida, exausta da sua própria vida.
Sentindo a falta de "momentos miojo", da utopia, dos sonhos, dos pés flutuantes e até da alienação. A alienação faz com que as coisas piores da vida, pareçam um pouco menos piores, não se sente a dor das crianças que morrem de frio nas ruas, não se sente a fome espalhada pelo mundo, não se sente a força das injustiças, nem a banalidade de milhares de sentimentos humanos.
Aqueles olhos de amêndoas enxergavam tudo e por isso perdiam seu olhar. Eram tantos pensamentos, tantas saudades, tantas melancolias, tantas insanidades e desejos infundados que a cabeça da menina se confundia mais e mais. Será que ninguém sentia o mesmo que ela?
Sentiu uma angústia imensa, uma angústia que transbordou seu corpo e a fez correr. Corria, corria muito, suada e ofegante, como quem ainda tem a esperança de ganhar uma corrida ou de salvar sua vida.
Corria, corria. As pessoas a observavam sem saber ao certo por que corria, se estava apenas fazendo exercícios, se estava atrasada para um compromisso, ou por qualquer outro motivo. A única coisa que nenhuma daquelas pessoas imaginou foi que era corria incessantemente em busca de algo que a tornasse melhor.
Ela desejava se libertar de neuras e medos, de parar um pouco de pensar em tudo e em todos. Sentia vontade de ser alienada, de ser simplista, objetiva e completa.
Corria, corria. A essa altura já estava bem longe da praça e corria por uma avenida, que estava vazia naquele Domingo,. Corria, corria incessantemente. Seu corpo já estava cansado demais, mas ela não conseguia, não podia parar. Entrou em uma rua pequena, toda arborizada ainda correndo, o céu estava escuro e de repente desabou, começou a chover. Gotas grossas que batiam na terra e exalavam um cheiro inexplicável, inconfundível, que só quem já parou para sentir pode lembrar e quem lembra não esquece jamais.. Sentindo a chuva percorrer seu corpo a menina parou de correr, respirou ofegante e usufruiu daquela chuva, daquele momento. Pela primeira vez na vida, ao ver a chuva não sentiu saudades do sol, e sim sentiu a força e a beleza de sua presença.
Cada gota batendo em seu corpo parecia levar tudo o que havia de ruim dentro dela. Ela gritou, não sabia o por que mas quis gritar. Gritou na sua dança com a chuva livremente. Gotas de chuva sim eram livres, dificilmente secavam antes de encontrar o chão, eram muito fortes e determinadas que lágrimas. De fato, se ela pudesse escolher entre ser um lágrima e ser uma gota, certamente seria uma gota de chuva.
Não havia ninguém naquela rua, exceto ela, a chuva e um senhor. A menina se deu conta da presença desse senhor e quando olhou percebeu que aquele senhor que estava embaixo de um toldo de uma lojinha antiga era o sorveteiro. O mesmo sorveteiro que tinha proporcionado aquela imensa liberdade ao garotinho, o mesmo sorveteiro que traria a sua liberdade.
Toda molhada e desengonçada foi pedir um sorvete, disse:
― Um de morango, por favor. – com um sorriso imenso nos lábios.
― É pra já senhorita. – disse o sorveteiro pegando o picolé.- Moça, posso lhe fazer uma pergunta?
― Claro. – respondeu pegando o sorvete como quem encontra um tesouro ao abrir um baú antigo.
― Porque a senhorita estava gritando na chuva? A senhorita está bem?
― Sim, agora estou bem.
― É você realmente parece bem. Sabe, nunca fiz uma coisa dessas. Gritar na chuva... – refletiu- é bom?
― Eu também nunca tinha feito isso. Mas sim, é bom ,muito bom.
― E como é a sensação?
― A melhor que já senti na vida!
― Me diga menina, o que te fez gritar na chuva? O que pensa da vida?
― Sou o lugar onde estou e se onde não mais estou, estarei onde quiser, com quem quiser e como quiser.
― Desculpa, mas não entendi nada. O que a senhorita quis dizer?
― Sou o que sou e se hoje não mais o sou serei quem eu quiser, com quem quiser, como quiser, onde quiser, quando quiser, se quiser...E se não quiser não serei nada.
O sorveteiro não entendeu absolutamente nada do que ela havia dito, mas achava bonito. Respondeu com um sorriso meio confuso e com um olhar confortador:
― Então senhorita, aproveite sua chuva.
A menina abriu a embalagem do picolé, deu a primeira lambida e foi como se tudo renascesse dentro dela. Ela mordeu, lambeu, se lambuzou, experimentou sua liberdade. Aquele picolé não tinha nada de especial era como tantos outros milhares de picolés de morango espalhados pelo mundo, mas nele havia uma coisa que nem mesmo o sorveteiro desconfiava, para aquele menina ele representava a liberdade.
Um simples picolé devolveu a liberdade de uma menina e essa liberdade trouxe a esperança de poder viver a vida como bem entender, ser ela mesma, apesar da mente confusa, da loucura diária, apesar de ser diferente.
A liberdade é o que difere as pessoas. Cada um é livre para ser o que quiser, pensar como quiser, sentir como quiser, desde que isso não prejudique o outro.
Triste é perceber que a grande maioria das pessoas só se dão conta da liberdade quando são privadas de tal privilégio. Se passarinho não nasceu para ficar em gaiola e a menina muito menos. Ela era uma águia selvagem com olhos de amêndoa. Poderia voar pelos lugares mais complexos de sua mente, sem medo, sem angústia. Com aquela determinação podia mudar o mundo, ou pelo menos seu mundo.
Jogou o palito do picolé no lixo que estava próximo e com a cara toda lambuzada caminhou de volta para casa debaixo de chuva.
Não se importou com a transparência de sua roupa ou com o seu cabelo desarrumado, simplesmente o que importava naquele momento era o que havia conquistado naquele dia: a sua verdadeira liberdade. Aprendeu a lidar com seus raciocínios tão livres que se perdiam, mas tão presos que se perdiam também. Deixava que esses pensamentos se perdessem, pela sua mente ou as vezes pelo mundo, alguns eram inúteis, mas faziam parte daqueles pensamentos livres que trariam as asas da águia selvagem com olhos de amêndoas. E aí então o mundo fez sentido, o que fez sentido foi poder ter a liberdade de perder completamente o sentido.
 
 
 
 
 
 

2 comentários:

  1. Maravilhoso...
    Magnifico...
    Estou com os olhos cheio de lágrimas, mas não vou deixa-las cair, para não torná-las infelizes e com uma falsa liberdade.
    Fico feliz de ter dispertado "tudo isso" de vc.
    agradeço a dedicatória...mas agradeço muito mais por me proporcionar essa reflexão.
    te amo.
    continue sempre assim.
    beijos

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  2. Texto tão lindo quanto a autora...

    Te admiro pela sua inspiração e pela capacidade de criar, de sonhar...

    Te amo!!!

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